‘Mídia Mundo’ pauta a educação midiática no jornalismo

O programa de youtube busca tornar possível a prática jornalística que tem como fundamento o acesso à informação

Por Caê Vatiero, Jaqueline Neves, Julia Bergamaschi e Victória Ribeiro

O exercício jornalístico é pautado por diversos aspectos que compõem a profissão, sendo um deles o determinante: o direito à informação. O próprio Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros tem como base o acesso à informação como direito fundamental, o qual engloba o direito de informar e de ser informado.
Esse princípio estendeu-se também no Art. 4º do mesmo documento, abordando a difusão das informações como um segundo aspecto a ser evidenciado como dever do jornalista. “O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação”.
Segundo uma pesquisa de 2010 realizada para o trabalho de conclusão de curso de Mayara Calácio, intitulada “Do jornalismo à educação: a informação jornalística como parte do processo educativo informal”, 89% dos entrevistados afirmam que o jornalismo é importante para suas vidas e consideram ter adquirido conhecimentos por meio de alguma notícia.
Apesar dos dados confirmarem a influência do jornalismo no cotidiano das pessoas de forma positiva, a mesma pesquisa demonstra pontos preocupantes ao questionar o nível de compreensão dos entrevistados em relação às informações jornalísticas. Ao apresentar uma edição do Jornal Nacional aos entrevistados, conclui-se que 24% das notícias, ou seja um quarto do telejornal, não foram compreendidas pelos entrevistados. Sendo que 44% afirmaram que a linguagem de difícil entendimento foi o motivo da incompreensão.
Em resposta a essaà esta problemática nasce um projeto que busca tornar a informação, de fato, acessível: o Mídia Mundo. Uma co-produção entre ABC da notícia e a ZeitGeist, com apoio do Educamídia, programa do Instituto Palavra Aberta, a série em formato de vídeos do Youtube tem como objetivo explicar de maneira simples temas relacionados à cultura digital e abordar a educação midiática como norteadora dos conteúdos produzidos.


Fonte: Mídia Mundo

Apresentado por Alexandre Sayad e Maria Cristina Poli, e dirigido por Luciano Cury, o Mídia Mundo emerge em 26 de Maio de 2020, durante a pandemia do novo coronavírus. “Ele vem de um desejo anterior dos dois de fazer uma série que abordasse o mundo da mídia, a relação das pessoas com as ferramentas de comunicação, o comportamento e os efeitos colaterais diante dessa bagunça que é hoje o mundo da comunicação”, afirma o diretor do programa.
Para Maria Cristina Poli, jornalista e ex-apresentadora do Jornal da Cultura, o ponto central e de encontro com os demais membros do programa é a convicção de que tornar acessível a informação é algo possível e necessário. “Quando você explica como as coisas são feitas, como que elas funcionam, as pessoas aprendem e elas podem se proteger”, afirma.
Já para Alexandre Sayad, jornalista e educador, o princípio fundamental para o bom desenvolvimento de um trabalho em grupo é possuir uma turma de qualidade. Para o educador, cada terço do programa possui um olhar específico, com habilidades diversas e que faz funcionar o Mídia Mundo. Além disso, Sayad compreende o programa como um “laboratório de linguagem”.

O vírus da desinformação


Foto: reprodução

Compreender o jornalismo enquanto um dos elementos da educação é algo desafiador e de grande potencial democrático, assim como proposto pelo Mídia Mundo. Entretanto, essa relação vem de longa data. Segundo um artigo de 2015 apresentado no Intercom, intitulado “Jornalismo e a capacidade de educar”, o primeiro jornal do Brasil, Gazeta do Rio de Janeiro, surgiu antes mesmo da primeira escola normal e teve grande participação no processo educativo da população. Apesar disso, evidencia-se que o acesso à educação, assim como à informação, têm as desigualdades sociais como ponto histórico que ainda se perpetua na atualidade. “O analfabetismo no Brasil colonial foi um dos principais pontos negativos pela demora da imprensa no país. A escrita era um privilégio dos religiosos e dos grandes cargos da administração pública”, apresenta o artigo. Nota-se que a responsabilidade social da profissão jornalística vai além de uma correta apuração e divulgação, mas de promover uma reparação histórica que torne democrática a difusão de informações.
“A maior parte da informação que circula mesmo nos grandes meios não é completamente entendida pelo público. Tem coisas que os jornalistas falam que ninguém entende”, ressalta Cury. Esse compromisso se intensifica ainda mais tendo em vista a força das novas tecnologias e a grande quantidade de disseminação de notícias falsas nas redes sociais e mídias no geral.

Olho:“Uma fake news desmascarada salva vidas”

“Mentira, o vírus da desinformação” foi o primeiro assunto abordado pelo Mídia Mundo. O intuito desse episódio, como informado em entrevista, é  demonstrar como é possível alterar uma informação e a importância do cuidado em apurar os conteúdos que chegam a cada pessoa. Como dito no programa, uma fake news desmascarada pode salvar vidas.
“O papel do Mídia Mundo neste momento é reforçar essa tendência das pessoas começarem a enxergar que tudo pode ser construído, uma versão de informação pode ser construída. Nós estamos em um tempo em que é muito mais trabalhoso você consumir informação de uma maneira mais relaxada. Nós entramos em outro nível de maturidade de consumidor de informação que é aquele que desconfia e críticacritica”, ressalta Poli.

Todos somos prosumers

Segundo a definição do Educa Mídia, programa do Instituto Palavra Aberta, entende-se por educação midiática o “conjunto de habilidades para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático em todos os seus formatos – dos impressos aos digitais”. Considerando a comunicação em rede do século XXI e consequentemente o grande fluxo de informação, se torna necessário um conhecimento que norteie este consumo desenfreado.
“Hoje qualquer pessoa com o celular na mão está produzindo notícia. Todos os veículos do jornalismo mais rápidos (hard news) contam com a participação do público na produção de notícia, em todos os lugares do mundo. A curadoria é do veículo, mas as pessoas são produtoras e não só consumidoras”, afirma o diretor.
Essa nova característica atribuída ao público das mídias sociais e veículos de comunicação é conhecida como prosumers. Segundo um artigo da Universidade FUMEC, o conceito está diretamente ligado às influência das redes sociais como fonte de informação para uma ampla inteligência.  “É nesse cenário composto pela Web 2.0, redes sociais, circulação de informação e interatividade que surge o prosumer, tido como o novo consumidor, que é simultaneamente produtor e consumidor.
“Prosumer é o termo do momento, essa é a realidade. Em um tempo de tanta confusão que vivemos, esse paradoxo estranho de que quanto mais informação mais desinformado a gente fica, faz com que precisemos de um guia para essa história e a educação midiática que a gente exerce, por exemplo no Mídia Mundo, é parte desse guia. É essa régua e esse compasso para se guiar nesse universo dos prosumers, todos somos prosumers”, completa Sayad.
E além de nova consumidora, a sociedade é testemunha do potencial de atuação que as notícias, os meios de comunicação e as mídias sociais exercem na forma em que o conhecimento é construído. Logo, mostra-se indispensável a preocupação em tornar acessível a informação e ter como reflexão primária a consciência de que todo jornalista, comunicador e produtor de conteúdo exerce papel no processo educacional das população.

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