Mulheres na pandemia: os desafios que só elas enfrentam

Sobrecarga feminina é resultado da desigualdade entre homens e mulheres no país

Por Fabiana Farias

Embora a doença causada pelo coronavírus tenha maiores implicações sobre o sexo masculino, existe uma faceta da doença que é sentida justamente pela ala feminina, que possui consequências sociais complexas e torna a atual jornada das mulheres muito mais exaustiva do que antes. As consequências do confinamento para o público feminino refletem como a desigualdade entre homens e mulheres é intensificada em situações caóticas no país. 

No trabalho, após o início do isolamento social, milhares de mulheres buscaram se adaptar e manter o ritmo pré pandemia, enquanto lidam com as dificuldades de estruturar um meio de trabalho remoto e acumulam tarefas domésticas que envolvem também o trabalho do cuidado com os filhos e a família.  Para além disso, muitas mulheres passaram a sentir dificuldades financeiras por não terem a possibilidade de trabalhar remotamente e, consequentemente, acabarem sendo dispensadas de seus empregos.

Dirce da Conceição é uma dessas trabalhadoras: diarista há mais de 25 anos, ela conta que hoje vem enfrentando dificuldades para continuar trabalhando, “sou diarista e adoro o que faço, pois sempre gostei de cuidar da casa e das pessoas também, sou uma diarista diferente pois tenho um vínculo muito próximo com todos os meus filhos, é assim que eu os chamo (refere-se às pessoas para quem trabalha). 

Casada há 36 anos, ela vive com o marido e os dois pets em Guarulhos, região Metropolitana de São Paulo. Ela explica que a renda do trabalho como diarista é fundamental para a família e por conta do confinamento teve que parar suas atividades, “graças a essa pandemia estou em casa, pois faço parte do grupo de risco e está complicado para todos, estou recebendo ajuda de muita gente, não tenho o que reclamar, mas estou entediada porque estava acostumada a sair para trabalhar todos os dias, sinto falta disso e espero que tudo passe logo”, comenta.

Assim como dona Dirce, milhares de outras mulheres estão passando pela mesma situação. O coronavírus tornou-se um fenômeno social e para entendê-lo é preciso pensar em como ele afeta as diferentes camadas da população. Segundo a Antropóloga Denise Pimenta, as pandemias sempre atingem uma parte da população muito mais do que a outra, destacando as desigualdades de um país. 

A Antropóloga realizou um estudo em Serra Leoa sobre as influências do vírus da Ebola na vida da mulheres do país, e conta que assim como no país africano, no Brasil, a pandemia escancara problemas sociais e abre espaço para uma discussão que envolve gênero, raça e classe.

“Eu acho que a gente nunca pode pensar a questão de gênero desvinculada à questão de raça e de classe, a gente tem que entender os efeitos do coronavírus enquanto uma questão interseccional. Então, de maneira geral, as mulheres mais afetadas no Brasil serão justamente as que fazem parte da base da pirâmide social brasileira, que são as mulheres pretas e pobres”

Denise Pimenta, Antropóloga.

Responsabilidade – substantivo feminino ‘obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros’

Na história do nosso país, não há dúvidas que em momentos de crise e dificuldades, as mulheres foram personagens centrais no trabalho do cuidado. Um exemplo atual disso é que no Brasil cerca de 84,6% dos profissionais de enfermagem que estão na linha de frente contra o Covid-19 são mulheres, segundo um estudo realizado pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) em parceria o instituto Oswaldo Cruz.

Érika Linhares, mãe, pedagoga, palestrante e fundadora da empresa B-have (empresa especializada em treinamentos de líderes e equipes), acredita que o acúmulo de tarefas torna as mulheres estressadas, ansiosas e extremamente cansadas, o que não ocorre igualmente aos homens, mesmo que estes estejam sob as mesmas circunstâncias que as companheiras.

Mulheres se desdobram entre o trabalho e os cuidados com a família Fonte: Reprodução

“Precisa incluir. Inclusão é respeitar o jeito das mulheres e a diferença entre homem e mulher, além de aproveitar o que ela tem de melhor e não transformá-la em um homem.”

Érika Linhares, B-have.

Ela explica que na área em que atua busca promover mais igualdade no tratamento entre homens e mulheres no ambiente profissional. Para isso, Érika ressalta que “é muito importante a gente fazer a inclusão da mulher. As empresas estão diversificando mais, estão com mais mulheres no quadro de funcionários, mas não estão respeitando o jeito da mulher ser”.

A face do Covid que só elas enfrentam

Em frente a uma pandemia que vem causando caos no país, elas ainda enfrentam outros problemas. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as ocorrências de violência contra a mulher aumentaram no Estado de São Paulo nos últimos meses, em comparação ao mesmo período em 2019. Segundo a Polícia Militar, houve um aumento de 44,9% no atendimento às mulheres vítimas de violência, o total de socorros prestados também subiu de 6.775 para 9.817.

Porém, ao passo que esses dados alarmantes ganham destaque no Estado, surgem iniciativas que visam romper com essa barreira de silêncio perante a violência. Ações e projetos nascem com o intuito de combater o violência e formar uma rede de apoio as mulheres. O Projeto ‘Mete a Colher’ é uma dessas iniciativas, comandado pela jornalista Renata Albertim, em parceria com Fernanda Macedo, assistente social e Stella Paes, designer, o projeto foi criado para conectar mulheres que precisam de ajuda e querem se libertar do ciclo de violência doméstica.   

“Apesar da violência doméstica poder atingir indiscriminadamente qualquer mulher, geralmente as mulheres pobres e pretas além de sofrer mais violência, têm mais dificuldades de acessar as políticas públicas de combate à violência contra a mulher e quando acessam são mais discriminadas, são desencorajadas a seguir com a denúncia”.

Renata Albertim

Ela comenta, ainda, a importância de prestar queixa e quebrar o silêncio, e alerta que mesmo em isolamento social os órgãos de enfrentamento à violência contra a mulher continuam funcionando via telefone. Além disso, Renata reforça que “o Mete a Colher’ recebe diversos pedidos de ajuda pelas redes sociais, por isso, o projeto tem grande presença nesses canais e oferece apoio às mulheres vítimas de violência.

Aplicativo ajuda mulheres a sair de relacionamentos abusivos Fonte: Reprodução

Bauru no apoio às mulheres

Na cidade de Bauru, segundo o registro de atendimentos realizados pela Delegacia de Defesa da Mulher, de março a abril deste ano, os boletins de ocorrência realizados em relação a casos de violência doméstica tiveram queda de quase 50%.  Esses dados revelam que a cidade segue a tendência de nível estadual e nacional relacionado a falta de denúncias a respeito dos casos de violência.

O confinamento colabora para que muitas mulheres em relacionamentos abusivos fiquem presas em casa com seus abusadores, o que pode impedi-las de buscarem ajuda em situações de agressão, por exemplo. Mesmo assim, ainda que em período de isolamento social, as autoridades da cidade reforçam que os plantões da Polícia Civil estão funcionando normalmente, além da Delegacia de Defesa da Mulher.

Além disso, a Polícia Civil disponibilizou online uma ferramenta que permite comunicar a ocorrência de violência doméstica para que as vítimas possam denunciar seus agressores sem sair de casa.

Autoridades reforçam a importância do combate a violência doméstica durante a quarentena Fonte: Pixabay

Para Denise, o suporte às mulheres  é fundamental para que a sobrecarga feminina seja diminua e seja menos romantizada na sociedade, “o trabalho do cuidado é na maioria das sociedades sempre relacionado às mulheres, é visto como um amor incondicional, mas na verdade não é questão de amor ou gostar, é a relação de gênero e parentesco que atribui a responsabilização por parte da mulher que fica sobrecarregada. O cuidado é um fardo, é um trabalho difícil que não é recompensado e muitas vezes pode gerar até doenças mentais e físicas nessa mulher que cuida”. 

Ainda que as dificuldades sejam grandes para todas, as mulheres em condição de vulnerabilidade social precisam ainda mais de suporte e apoio neste momento, principalmente por parte das autoridades, para que os desafios dessa jornada possam ser reduzidos e que elas sejam respaldadas em meio a esta trama de tanto ceder cuidado e, na maioria das vezes, não ser cuidada por ninguém. 

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