Entregadores de aplicativos sofrem maior precarização do trabalho durante a quarentena

As contradições das empresas de aplicativos, e o estopim das más condições de trabalho.

Por: Marjory Frojoni

A Covid-19 chegou estremecendo muitas estruturas. Uma doença tão infecciosa e perigosa como essa fez com que se acentuassem e tornassem visíveis os problemas da classe trabalhadora que está na linha de frente mantendo os serviços essenciais, além de, escancarar as diferenças sociais e as consequências da falta de políticas públicas sérias e efetivas para momentos de crise. O protagonismo, no momento, é para os entregadores de aplicativo que tiveram seus riscos dobrados, porém, retorno financeiro reduzido.

Manifestação de motoqueiros e ciclistas que trabalham com os aplicativos Ifood e Rappi, contra o modelo de pontuação e punições arbitrárias / Foto: @tretanotrampo

No século XXI, o mundo deu nome de UBERIZAÇÃO a esse novo fenômeno que é a exploração do trabalho por meio de aplicativos que tratam o trabalhador como um microempresário. Entretanto, na prática, suga do sujeito as garantias e direitos mínimos ao mesmo tempo que mantém sua subordinação, com o discurso de que não há vínculo empregatício, pois, os aplicativos são uma ponte entre clientes, entregadores e estabelecimentos.

Em entrevista, o doutor em Ciências Sociais, Frederico Daia Firmiano, alertou que essa forma de vínculo empregatício não é fruto dessa geração. Ela surge ao final da década de 70 com a intenção de destituir o capital do custo do trabalho, ou seja, enfraquecer a relação empregatícia, e consequentemente excluir diretos trabalhistas. Frederico também menciona faccionistas e trabalhadores que recebem mediante produtividade como exemplo do mesmo tipo de relação de trabalho reproduzida pela uberização.

“sem essas formas de trabalho destituídas de direitos, informais e precárias o sistema capitalista não se sustenta mais.”

Frederico Daia Firmiano

O desemprego gerado pela quarentena fez com que mais e mais pessoas procurassem os trabalhos informais, principalmente os de aplicativos. Um levantamento feito pela RankMyApp (empresa de inteligência de marketing e aquisição para apps) aponta que cresceu 200% o número de downloads de aplicativos para trabalhar com entregas entre março e abril.

O entregador Daniel Santos, 27 anos, reparou os impactos da COVID-19 no seu trabalho e disse que a demanda aumentou, porém, o número de cadastros para trabalhar no aplicativo também, assim, ele estava fazendo até menos corridas do que o habitual. Um dos motivos que o levou a deixar os aplicativos e trabalhar como entregador fixo de um estabelecimento.

“É um trabalho periculoso, então, deveria ter uma valorização melhor. Estamos arriscando a vida a todo momento”

Daniel Santos, entregador

Os relatos de entregadores que exemplificam a precariedade e o risco do trabalho são inúmeros: o aumento de horas trabalhadas e a queda dos lucros, muitas horas sem comer, ficam sujeitos a roubos e acidentes, trabalham na chuva e agora com a Covid-19 são um dos grupos mais expostos a contrair o vírus, e além de lidar com todas essas situações, os entregadores ficam à mercê de suspensões e bloqueios arbitrários, associado a um sistema de pontuação que prejudicam o ganho diário deles.

O Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), dias antes de toda turbulência causada pela pandemia, publicou um estudo no qual diz que o total de trabalhadores de aplicativos de entrega passou de 1,253 milhão para quase 2 milhões em 4 anos, número este que cresceu exponencialmente junto com o desemprego dos últimos meses, pois os aplicativos de delivery passaram a ser uma alternativa de fonte de renda para aqueles que perderam seus empregos formais.

O advogado, Carlos Eduardo Veiga Soares Jr., explica que os aplicativos como UberEats, Rappi, Ifood e Loggi conseguiram driblar as legislações trabalhistas para aumentar seus lucros, ao alegarem que os entregadores de aplicativos não se enquadram em dois dos requisitos estabelecidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os requisitos em questão são o da não-eventualidade e o da subordinação. Dessa maneira, esses trabalhadores não conseguem usufruir das proteções trabalhistas, pois entende-se que não se configura uma relação de emprego.

“existe uma discussão muito grande no meio jurídico sobre aonde o trabalhador de aplicativo se insere.  É discutido se é possível inserir esse trabalhador numa relação de emprego de acordo com os termos da CLT ou se eles seriam essa nova classe autoempreendedora como as próprias empresas de aplicativos tentam enquadra-los.”

Carlos Eduardo Veiga Soares Jr.
Entregadores de todo o país se mobilizam pela valorização do trabalho / Foto: @tretanotrampo

A Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) mostrou recentemente que a pandemia tornou mais precário o desempenho da função. Essa precarização fez com que os trabalhadores se mobilizassem por melhores condições de trabalho, como ferramentas, usaram as redes sociais e assim, o movimento tomou proporções nacionais. Um perfil no aplicativo Instagram, chamado Tretanotrampo, tem se destacado pelo acompanhamento da mobilização.

Apesar dos empecilhos e todos os riscos que os entregadores sofrem, eles se organizaram e dia 1º de julho farão a primeira paralisação nacional dos entregadores, assim, exigindo mais segurança, alimentação, taxas justas, transparências das empresas de aplicativo, licença remunerada, fim dos sistemas de pontuação e bloqueios indevidos e aumento do valor que eles recebem por quilometro, que hoje é inferior a dois reais.

Além disso, estão convocando os usuários de aplicativos a fortalecerem a causa, boicotando os aplicativos no dia 1º julho, avaliando negativamente os apps e compartilhando informações sobre as condições de trabalho e a paralização com a hashtag #BrequeDosAPPs.

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