Agricultura familiar sofre com a pandemia

Após 3 meses de quarentena produtores começam a se recuperar em São Bento do Sapucaí- SP

Por Isabela Landim

A Pedra do Baú é o maior símbolo da cidade de São Bento do Sapucaí. Fonte: Prefeitura de São Bento do Sapucaí

A agricultura rural representa uma parcela importante da produção dos produtos mais consumidos no país, como o café (48%), e a mandioca (80%) segundo números divulgados no Censo Agro de 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estima-se uma queda de 80% nas vendas de cerca de 7.000 produtores da área rural na região metropolitana de São Paulo, de acordo com uma reportagem publicada pelo NEXO Jornal.
Já um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, a fim de checar a situação do sistema agroalimentar no Estado durante a pandemia, apontou dificuldades no escoamento da produção e queda na arrecadação de produtores familiares. Foi observado que uma das principais fontes de renda desses produtores são as feiras, mas, mesmo nos municípios em que foram mantidas em funcionamento, houve uma diminuição da circulação de pessoas. O caso se agrava em locais onde a prática foi proibida durante a pandemia.
A situação também preocupa a Organização das Nações Unidas (ONU), que teme a falta de segurança alimentar e prevê o aumento da fome no mundo. No intuito de frear a crise, o Painel de Alto Nível de Especialistas em Segurança Alimentar e Nutricional do Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) publicou uma cartilha informativa com medidas de segurança que devem ser adotadas pelos produtores a fim de evitar contaminação.
Esse tipo de material, no entanto, não dialoga diretamente com o agricultor familiar brasileiro, como apontou Potira Preiss, pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação e Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (PPGDR/Unisc) e coordenadora da pesquisa realizada na UFRGS. Potira explica que, de maneira geral, o produtor familiar brasileiro costuma ter baixa escolaridade e viver em áreas remotas, em situação de precariedade e pobreza.

A produção familiar rural de São Bento do Sapucaí

São Bento do Sapucaí é uma estância climática localizada na Serra da Mantiqueira que conta com aproximadamente 13 mil habitantes. A economia da cidade é baseada no turismo, no agroturismo e na agricultura familiar, áreas bastante atingidas pela crise que tem se aprofundado com a pandemia de COVID-19.
O vírus, que chegou com força nas capitais dos estados brasileiros, levou mais tempo para chegar no interior, e o município até o início de julho teve 7 casos confirmados da doença, que hoje se encontram curados. Mas, com as matrizes econômicas prejudicadas, o que foi feito com a produção familiar rural?
Para o prefeito de São Bento do Sapucaí, Ronaldo Venâncio, não houve, no entanto, queda na arrecadação do produtor rural no município. “Além do setor alimentício não ser proibido por ser essencial, a cidade aumentou o consumo porque os familiares de moradores que moravam fora, retornaram. Acho que eles vêm para se refugiar da pandemia”, afirmou.
A Secretária da Agricultura e do Meio Ambiente da cidade, Maria Beatriz Coelho, confirmou a fala do prefeito. “Por um lado, você pensar nessa parte alimentícia, melhorou bastante com o coronavírus. O pessoal está ficando mais em casa, deixando de comer fora, então pra eles eu acho que aumentou um pouco em relação a isso”, comentou. Maria Beatriz apontou também que houve grande receio por parte dos produtores de banana do município, mas que desapareceu quando o insumo foi inserido do mercado.
A prefeitura promoveu uma visita à feira para capacitação dos feirantes. Os fiscais da vigilância sanitária, ao lado do prefeito, foram até o local e orientaram os feirantes sobre os devidos cuidados a serem tomados, de acordo com as indicações do Ministério da Saúde.
Mas a feira do município não é o único lugar em que a produção local está disponível. Grande parte dos produtores escoam seus produtos através dos CEASA (sigla popular para Centrais de Abastecimento). Esse é o caso de José Lázaro de Souza, produtor de banana e tomate, que planta há mais de 40 anos e além de vender no município, leva sua produção para o CEASA de Taubaté – SP para vender atacado nos dias de semana e em varejo aos sábados de manhã. O produtor identificou uma queda de pelo menos 40% das vendas nos primeiros 30 dias da pandemia no Brasil. “No começo eu fiquei com medo, até parei de ir no CEASA uns dois ou três dias, e depois eu vi que tem que enfrentar a vida, tem que comer, tem que pagar conta”, mas José Lazaro comenta que, em meados de junho, já havia algum tipo de normalidade sendo restabelecida.

“Eu tenho conversado com meus amigos do Ceasa, companheiros de trabalho. Este ano vai ficar meio perrengue, vamos ficar meio com a corda bamba. Se for pra melhorar, só ano que vem, ganhar dinheiro ninguém tá ganhando não. Temos que fazer de tudo para pagar conta, e alguns, fazer de tudo para comer e beber né”

José Lázaro de Souza, produtor familiar

Ivone Pereira Fernandes planta morangos junto do marido e do filho há 40 anos no município e afirmou que suas vendas diminuíram cerca de 40% e continuam baixas. “Está complicado pagar as contas, eu tenho aposentadoria, mas o benefício do meu marido foi cortado, então é só o meu para manter a casa. Aluguel mesmo estou sem pagar a um mês”, contou. Apesar da situação, Ivone possui esperança de que as vendas irão aumentar em julho: “Essa lavoura de agora está muito boa de produção, muito bonita”.
Os morangos da família de Ivone são vendidos em frente à plantação, na beira da estrada e no município de Pindamonhangaba-SP. Sobre as vendas no local ela comenta: “Parece que o povo estava com medo da gente, não parava ninguém aqui, aí eventualmente largamos mão, não colocamos mais, por que o morango no sol queima, não adianta. Antes vendia mesmo, tudo, hoje não adianta”.

Os morangos da família de Ivone. Imagem: Isabela Landim


A queda das vendas de Ivone no local da plantação são um reflexo direto da queda do turismo e do agroturismo na cidade. Segundo a Engenheira Agrônoma da prefeitura, Alessandra Carvalho, a queda foi de 100%: “Está tudo fechado não são só os restaurantes, aqui também existem vinícolas. A Oliq, por exemplo, que produz azeite, agora está vendendo mais online”.

Internet, assistência e retomada


No âmbito do turismo, a cidade foi a última da região a reabrir pousadas, a partir de junho passaram a funcionar com 20% da sua capacidade. O prefeito demonstrou estar temeroso com a reabertura e comentou: “É uma coisa difícil, muita gente da população não quer que volte e eu entendo, só que também existem aqueles que querem que volte, pois é o meio deles sobreviverem”.
Solange Motta, coordenadora de cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) em parceria com o Sindicato Rural de São Bento do Sapucaí comentou: “Ao meu ver houve queda nas vendas sim, porque no começo, muitos restaurantes pararam por exemplo, e muitos dos nossos produtores vendem para esses estabelecimentos, mas depois foram se adequando”.
A internet fez diferença na hora de vender no município, e uma das ferramentas utilizadas foi o “Pertinho de Casa”, aplicativo criado em parceria entre o SENAR e o Sebrae que conecta o consumidor ao produtor mais próximo na hora de comprar.
O SENAR também oferece um curso de Inclusão Digital no Meio Rural, que ensina os produtores a utilizar o computador, a internet, o celular e as redes sociais. “No ano passado eu tive uma senhora de 70 anos que nunca tinha visto um computador na frente dela, mas saiu do curso acessando a internet. Os filhos deram um computador e colocaram internet na casa dela, e agora ela está se virando lá, ela é bananicultura e vende esteiras também”, contou Solange.

O curso de operação e manutenção de tratores agrícolas foi retomado durante a quarentena. Imagem: Solange Motta

Os cursos foram suspensos durante os 3 primeiros meses da pandemia, mas retornaram no final de junho com turmas reduzidas. “O número máximo por turma é de 10 pessoas, tem que ter um distanciamento de 1,5 metros de cada participante, uso obrigatório de máscaras, álcool em gel a disposição e também toda hora estou desinfetando a área para não ter perigo de nada”, comentou Solange.

Mesmo diante da insegurança e dos desafios impostos, a agricultura familiar na cidade resiste e busca vencer a pandemia. Ainda que de forma gradual, os produtores se atualizam e se adaptam aos novos tempos.

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