A moça que traz o sol

 A história de como Somália enfrentou a vida e trouxe o sol para várias pessoas

 

Isabela Holl, Daniele Fernandes, Juliana Gonzalez, Nathalie Caroni

Imagine o mundo dos estudantes universitários, de vida em república, de trabalhos, provas e doses de álcool, drogas e música. Tudo isso em maior e menor grau faz parte da vida dos estudantes. No meio desse universo surge Somália. Não, não estamos falando daquele país africano. Surge a Somália, apelidada de Sol, uma senhora única, de cinquenta e poucos anos, que afirma já ter visto de tudo nesses três últimos anos limpando repúblicas da UNESP. “Não julgo ninguém”, já deixa avisado.

No meio das trevas surge Sol. Ela tem agido assim em sua vida, quando as coisas estão fora do lugar ela arruma, quando o problemas ganham força, ela enfrenta. Foi assim quando perdeu o marido. Como muitas mulheres no Brasil, Somália cuidava da casa enquanto seu marido trabalhava. Ela ainda morava em São Paulo quando ele faleceu, “me deixou muito pouco, então tive que enfrentar a vida”. Foi lá e realmente enfrentou, acordava todos os dias às cinco da manhã para pegar a condução que a levaria ao serviço, trabalhava como cozinheira na grande capital do Brasil. “São Paulo é de casa para o serviço e do serviço para casa”.

A UNESP realmente muda a vida de muita gente e de muitas formas. Bruna é filha de Sol, a mãe fala dela com muito orgulho, são muito próximas, amigas. A garota tinha o sonho de cursar Química no campus de Bauru. Sol dizia: “você está se inscrevendo, se você passar vai ter que ir”. Dito e feito, Bruna passou e foi para o interior paulista.

Sol sabia que não conseguiria pagar dois aluguéis, um em São Paulo e outro em Bauru. No começo a estudante foi morar na moradia da faculdade. Bruna dormia no que chamavam de “sarcófago”, embaixo da escrivaninha de pedra no quarto. Porque na moradia não há vagas, mas ainda há pessoas que precisam de moradia. Assim, em uma das mais importantes faculdades do país, os estudantes dormem nos “sarcófagos”, enquanto os reitores gastam 50 mil em viagens, mas como diz a própria Sol, “a vida é assim, né?”.

Somália então enxergou a situação precária da moradia e resolveu se mudar junto com ela, para Bruna conseguir estudar com mais conforto. Largou o emprego em São Paulo e fez as malas. Resolveu arriscar, alugar um lugar em Bauru e tentar se tornar uma faxineira na cidade.

Sol considera ter sorte porque conseguiu se inserir como faxineira em repúblicas e em apartamentos de estudantes. Ela conta que o tratamento dado por eles é muito melhor do que em casa de famílias. Em algumas repúblicas ela atua todas as semanas há anos, e sente saudades depois que os estudantes se formam e vão embora. Gosta da bagunça deles e da alegria.

Nunca foi destratada em repúblicas e sempre recebe elogios. Eles agradecem a ajuda dela na casa. Somália gosta de cozinhar e principalmente do fato de valorizarem sua comida. Acompanhando o dia a dia dos meninos, antes achava que república era o “caos”, mas percebe que eles estudam muito. “Eles fumam porque a cabeça deles ferve, é muita coisa para fazer, a vida deles muda muito rápido. “É para acalmar, tia Sol”, eles me falam”.

A bagunça nas repúblicas incomoda menos que a arrogância dos patrões. Em Bauru o único lugar em que se sentiu destratada foi na casa de uma família, onde a “patroa” queria que limpasse os azulejos da cozinha com escova de dente. Diferente dos estudantes, na casa da família também não tinha quem puxasse uma conversa, o tratamento era muito hierarquizado e por isso Sol tratou de ir embora e cuidar só de seus estudantes.

Em seu tempo livre Somália assume a identidade de uma observadora da vida. Gosta de passear no calçadão e se sentar na praça Rui Barbosa durante a tarde. “Fico pensando na vida, olhando as pessoas, sou muito observadora”. Ao final, vir com a Bruna foi a melhor coisa a se fazer, pois saiu da rotina da capital. Hoje tem mais tempo livre, vai a pé para o serviço ou para onde deseja e parou de acordar às cinco da manhã para trabalhar.

Ela comenta, com orgulho, que a Bruna ainda está no terceiro ano, mas já montando a própria empresa de cosméticos naturais. Ela mesma faz os produtos usando os conhecimentos aprendidos na faculdade de Química.

Sobre suas expectativas para o futuro, Sol deseja ver a filha bem, quem sabe até uma empresária. “Nós duas batalhamos sozinhas, eu vim para cá por ela, mas fiz por ela e não vou cobrar nada em troca”. Para Somália, cada um nessa vida tem uma missão, e a dela é cuidar da sua filha caçula. “Minha missão é ver ela bem, trabalhar para cuidar da Bruna e a hora que ela não precisar mais, aí acabou. Meus outros filhos eu ajudei enquanto precisaram, agora não precisam mais de mim”.

Na vida Sol valoriza muito os estudos, o coração e o caráter das pessoas. Ao fazer o bem para outra pessoa você acaba se sentindo mais feliz do que fazendo para si mesmo. É assim com a Bruna e também é assim que encara seu trabalho quando alimenta aqueles estudantes cheios de fome eles ficam satisfeitos e elogiam a sua comida, para ela isso também é felicidade.

Assim é Somália Straus, primeiro nome de continente africano que talvez represente a força para ela sempre enxergar a luz no meio dos problemas. Representação também da coragem de mudar uma vida toda para que a filha conclua os estudos. Straus, sendo alemão, nos remete os olhos claros que ela carrega e talvez seu jeito discreto à primeira vista. Para os universitários ela deixa um conselho: que aproveitem essa etapa da vida, que é uma das melhores. Ela mesma era bem “festeira e saideira” quando mais nova, conta, dando risada. Sim, Sol tem uma alegria jovial assim como os estudantes, assim, como ela mesma fala, talvez por isso se sinta tão bem na “bagunça” deles.

Imagem destaque: edição-tratamento das autoras a partir de ilustração de Creative Commons