O possível impacto da disseminação de notícias falsas nas Eleições 2018

Robôs, empresas e até políticos fazem parte do exército de notícias falsas sobre a política que circula na internet brasileira

Desde a polêmica eleição do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em meio a uma onda de notícias falsas, muito se tem discutido sobre o poder das chamadas “fake news” e sua disseminação em redes sociais de influenciar eleições e afetar a democracia de muitos países.

No Brasil, a situação não é diferente: um estudo do FGV/DAPP e investigações da BBC Brasil e Época mostram a disseminação de conteúdo falso por robôs, empresas especializadas na fabricação de conteúdo falso, e até por políticos, que pagam sites para propagar boatos que fortalecem suas opiniões. Veja como essa prática pode afetar as eleições de 2018.

Robôs, redes sociais e política no Brasil

A Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP) analisou diversos casos nos quais o debate político está bem acalorado e apontam que o Brasil não parece estar longe desse cenário forjado nos Estados Unidos. O estudo toma como escopo perfis automatizados que imitam humanos (robôs) que motivaram debates no Twitter em situações de repercussão política brasileira desde as eleições de 2014 até a votação da reforma trabalhista no Senado em julho de 2017.

Na greve geral de abril de 2017, por exemplo, mais de 20% das interações ocorridas no Twitter entre os usuários a favor da greve foram provocadas por contas automatizadas. Para identificar esses robôs, a FGV/DAPP desenvolveu um sistema que identifica se contas suspeitas geraram conteúdo automaticamente e em qual momento-chave da política brasileira recente. Segundo o estudo, os robôs são “um risco real e comprovado ao debate público legítimo na democracia brasileira”.

Apesar de ter 18 milhões de usuários no Brasil, o estudo tem como foco o Twitter, e não o Facebook. No geral, o Twitter é mais fácil de ser analisado por pesquisadores por ter uma estrutura mais aberta. Além disso, a propagação dos robôs é maior no Twitter por alguns fatores, como, segundo o estudo:

  • o padrão de texto do Twitter (140 caracteres) gera uma limitação de comunicação que facilita a imitação da ação humana;
  • o uso de @ para marcar usuários, mesmo que estes não estejam conectados a sua conta na rede, permite que os robôs marquem pessoas reais aleatoriamente para inserir um fator que se assemelhe a interações humanas;
  • geralmente, as pessoas são pouco criteriosas ao seguir um perfil no Twitter, e costumam agir de maneira recíproca quando recebem um novo seguidor.

Os robôs em ação no Twitter são usados para influenciar o debate sobre um determinado tema, e nem sempre se parecem com uma pessoa comum. Às vezes, eles só são programados para postar mensagens de apoio e hashtags a favor de um determinado político. Em algumas situações, os robôs podem tentar imitar uma pessoa real e interagir com outros usuários da rede social para ter mais influência sobre o debate político.

A FGV/DAPP organizou diversos tuítes enviados em alguns momentos-chave da política brasileira, como o debate da Rede Globo para o 1º turno das eleições presidenciais. Os pesquisadores criaram grafos que organizam os tuítes dentro do espectro político de direita (azul) e esquerda (vermelho) e mostram, por pontos rosa, os robôs. As partes em cinza mostram a discussão geral sobre o tema e perfis da imprensa.

IMAGEM 1 - DEBATE REDE GLOBO

No debate do primeiro turno, as interações entre robôs representaram 6,29% de toda a discussão sobre o tema no Twitter, com a zona azul, feita por apoiadores de Aécio Neves, com 19,18% de interações, seguida por apoiadores de Dilma Rousseff, na zona vermelha (17,94%), Marina Silva, na zona verde (13,52%) e Luciana Genro, na zona roxa (1,64%).

IMAGEM 2 - GREVE GERAL

Outro ponto-chave foi o da greve geral de 28 de abril de 2017, durante o debate das reformas trabalhista e previdenciária. No total, 22,39% das interações entre os apoiadores da greve foram feitas por perfis automatizados, enquanto 18,12% tuítes contrários à greve foram publicados por robôs.

De forma geral, o estudo conclui que as redes sociais se tornaram um ambiente perigoso para mensurar o teor do debate político, uma vez que este pode ser influenciado por robôs. “O surgimento de contas automatizadas permitiu que estratégias de manipulação, disseminação de boatos e difamação, comumente usadas em disputas políticas, ganhassem uma dimensão ainda maior nas redes sociais. A participação ostensiva de robôs no ambiente virtual tornou urgente a necessidade de identificar suas atividades e, consequentemente, diferenciar quais debates são legítimos e quais são forjados”, concluem os pesquisadores.

“Exército de bots”

Outra importante descoberta, feita pela BBC Brasil, mostra que a manipulação do debate público não é feita somente por perfis automatizados. Eles descobriram que Eduardo Trevisan, dono da empresa Facemedia, criou em 2012 um exército de perfis falsos, contratando 40 pessoas ao redor do Brasil que administravam de 20 a 50 contas no Twitter e Facebook para atuar em campanhas políticas. Segundo um funcionário da Facemedia entrevistado pela BBC, eles eram pagos cerca de R$ 1,2 mil por mês, valor que subia para R$ 2 mil na época das eleições de 2014.

Os funcionários da Facemedia eram monitorados pelo Skype e usavam nomes, fotos e informações falsas de diferentes pessoas retiradas em vários cantos da internet. Um usuário, por exemplo, usava uma imagem do ator e cantor grego Sakis Rouvas para ilustrar seu perfil falso. Muitas vezes, os empregados não sabiam que manipulavam perfis falsos e entendiam estar gerenciando contas de apoiadores de candidatos políticos.

A reportagem da BBC identificou o apoio a diversos políticos, muitos que contrataram a empresa diretamente. Entre eles, Aécio Neves (PSDB), Renan Calheiros (PMDB), Eunício Oliveira (PMDB) e até empresas como a J&F Investimentos, holding que controla a JBS. A maioria nega envolvimento no caso.

Políticos também fabricam notícias falsas

Fora das redes sociais, também é comum sites que imitam portais de notícia criarem conteúdo falso para ser compartilhado nas próprias redes ou em aplicativos de mensagem, como o WhatsApp. Uma reportagem da Época analisou os dez maiores sites que publicam notícias falsas no país e identificou que eles têm conteúdo feito para disseminar boatos que foi pago até com verba do gabinete de políticos.

Uma das empresas, a Prime Comunicação Digital, responsável pelo site Gospel Prime, que tem 2,8 milhões de visitas no mês, já emitiu notas fiscais para os deputados Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e Geovania de Sá (PSDB-SC), segundo a investigação da Época. Os deputados da bancada evangélica usaram verba parlamentar para pagar por textos de R$ 250 publicados no Gospel Prime entre 2015 e 2016. Como mostra a Época, os artigos elogiavam os políticos ou ajudavam a disseminar polêmicas falsas: “Sóstenes Cavalcante é o deputado mais atuante do RJ”, publicada em julho de 2015. “Bolsa Família não deveria tornar beneficiários dependentes, diz Geovania de Sá”, publicada em abril de 2016.

No geral, produzir notícias falsas dá muito dinheiro: segundo David Gregório, dono da Prime entrevistado pela Época, disse trabalhar de casa e ganhar entre R$ 10 mil a R$ 20 mil por mês, valor que usa para pagar quatro funcionários fixos do site. O deputado Sóstenes Cavalcante afirmou à Épocaque não conhece o site informado e a Geovania de Sá não foi encontrada pela reportagem da revista.

O que esperar para 2018?

Como mostra o estudo da FGV/DAPP, a disseminação de notícias falsas continuou a acontecer durante vários momentos-chave da política brasileira, e não há dúvidas de que as eleições de 2018 também serão palco para essa atividade. Além disso, por mais que perfis falsos e sites que espalham boatos estejam mais conhecidos por jornalistas ou pesquisadores, ainda é pequeno o conhecimento do público amplo para identificar conteúdo falso.

Procurado, o Facebook afirmou anunciar, desde o ano passado, diversas iniciativas para combater a desinformação na rede social. A rede social disse trabalhar dentro de três áreas-chave: de eliminar os incentivos econômicos, já que a disseminação de notícias falsas tem forte motivação financeira; de desenvolver novos produtos para reduzir a propagação de notícias falsas; e de ajudar as pessoas a tomar decisões conscientesquando se deparam com notícias falsas.

IMAGEM 3 - FACEBOOK FACT-CHECKING
Ilustração de como funciona a parceria. Fonte: Facebook.

A rede social anunciou em abril o apoio ao Projeto Lupe!, daAgência Lupa, que faz checagem de notícias dentro do Facebook Messenger. Mais recentemente, o Facebook anunciou uma parceria com a Lupa e com o Aos Fatos para checar notícias falsas compartilhadas na rede social; quando uma matéria for checada, aparecerá um aviso próximo a ela e no ato de compartilhamento de que o conteúdo foi sinalizado como falso por uma agência de checagem de fatos.

Enquanto isso, o TSE afirmou que “uma campanha limpa se faz com a divulgação das virtudes de um candidato, não com a difusão de atributos negativos pessoais que atingem irresponsavelmente suas pretensões políticas”. Segundo o órgão, o papel do TSE não é atuar sobre a liberdade de expressão e a informação legítima, mas “neutralizar esses comportamentos abusivos”. O Tribunal indicou algumas iniciativas que vem trabalhando para conter a disseminação de notícias falsas, como:

  • o Comitê Consultivo sobre Internet e Eleições, uma força tarefa composta por agências de inteligência governamental e das Forças Armadas, especialistas nacionais e internacionais e algumas empresas de mídias sociais, todos auxiliados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público;
  • o caráter educativo da Justiça Eleitoral, prometendo fazer campanha nacional para alertar “o eleitor para os cuidados essenciais que se deve tomar para identificar uma notícia falsa e não propagá-la”;
  • nos casos necessários, após apuração realizada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, o TSE atuará “de forma repressiva, retirando as propagandas e adotando as punições cabíveis previstas na lei eleitoral”.

Quando perguntado se um candidato pode ser responsabilizado por pagar pela fabricação e disseminação de conteúdo falso, o TSE foi categórico: “claro que sim!”. Segundo o Tribunal, a Lei das Eleições repele o uso de artifícios que possam distorcer ou falsear os fatos ou a comunicação, fazendo com que um candidato perca tempo de propaganda.

“A depender do conteúdo, a divulgação de fake news pode ainda configurar hipótese de crime contra a honra eleitoral, a ensejar pena de detenção que pode chegar a um ano”, segundo o TSE. O órgão também citou outras punições contra a contratação de pessoas para denegrir a imagem de candidatos (detenção de 2 a 4 anos, além de multa no valor de R$15 mil a R$ 50 mil), disse que a lei eleitoral confere proteção à liberdade de expressão, “mas não será permitida a difusão de fake news sob o véu do anonimato, tampouco o uso de robôs para a sua propagação”.

Imagem de capa: Pixabay. Matéria: Jean Prado.

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