Por que o debate sobre corrupção no setor privado precisa avançar no Brasil

País necessita melhorar os mecanismos de monitoramento das negociações entre poder público e o setor privado

Por Victor Pinheiro

JBS, Odebrecht, OAS, UTC, Rolls Royce. Essas são apenas algumas das empresas investigadas na Operação Lava-Jato. Em pouco mais de três anos de atividades, a força-tarefa expôs diversos casos de corrupção envolvendo o poder público e o setor privado no Brasil. No entanto, as investigações revelam que a prática de corrupção por empresas privadas no país está longe de ser novidade.

Em depoimento ao Ministério Público Federal, como parte do acordo de delação premiada, o ex-presidente do grupo Odebrecht, Pedro Augusto Novis, revelou que a empreiteira fraudava contratos de obras públicas já na década de 1980. O executivo citou a construção de um sambódromo no Rio de Janeiro sob a gestão de Leonel Brisola (PDT-RJ) e a duplicação da ferrovia Campinas-Santos, ainda no primeiro mandato de Paulo Maluf (PP-SP) como prefeito de São Paulo.

Outra delação, dessa vez de um executivo da JBS, também revelou que a empresa do ramo alimentício trabalhava com propinas há algum tempo. Ricardo Saud, ex-diretor de Relações Internacionais da companhia, afirmou ter realizado pagamentos ilícitos para mais de 1800 políticos de 28 partidos diferentes.

Créditos: Victor Pinheiro

Para o cientista político Luiz Fernando Miranda, a Lava-Jato vem desvelando esquemas de corrupção estruturais na política brasileira. Segundo ele, a operação reforça que é corriqueiro o pagamento de propinas de empresários para agente públicos. Porém, o que não se sabia antes da operação eram as estruturas desses esquemas.

Debate

Embora o envolvimento do setor privado na corrupção não  seja novidade, segundo a pesquisadora do Centre of Study of Democratic Institutions da Universidade Of British Columbia, Ana Luiza Aranha, as discussões sobre o lado das empresas privadas em esquemas ilegais é recente, mas ainda anterior às revelações da operação Lava Jato. Ela reforça que os esquemas de corrupção possuem sempre dois lados. “Tem o lado público, mas também tem o lado privado, que corrompe e faz pagamentos ilícitos”.

Nesse sentido, a cientista destaca a lei anti-corrupção, aprovada em 2013, como uma importante iniciativa de combate à corrupção do setor privado. Para Aranha, a legislação representa uma preocupação para empresas que praticam relações ilegais com o poder público.

Política desacreditada

Apesar dos avanços nas discussões sobre corrupção do setor privado, segundo a doutora em História Social, Rita Biason, para a opinião pública “a classe política sempre é a mais desacreditada”. Na visão da pesquisadora, isso acontece porque os políticos deveriam representar os interesses da população na esfera pública e por isso recebem mais visibilidade.

Os números de uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas no primeiro semestre de 2016 reforçam o descrédito do brasileiro com a política nacional. De acordo com o estudo, na época, somente 11% da população disse confiar na Presidência da República. No caso do Congresso Nacional e de partidos políticos os índices são de 10% e 7%, respectivamente. Por outro lado, 34% afirmaram confiar nas grandes empresas.

Segundo o Data Folha, o Governo Temer atingiu o pior índice de popularidade dos últimos 28 anos. Apenas 7% dos brasileiros aprovam a gestão. (Marcelo Camargo/Agência Brasil).

Segundo Ana Luiza Aranha, o descrédito da opinião pública sobre a política é prejudicial ao debate público. Ela afirma que “a política é a forma de se chegar à decisões consensuais numa sociedade” e ao se condenar essa arena de debates, o processo de tomada de decisões democráticas pode ser comprometido.

A cientista ressalta não enxergar a condenação da opinião pública sobre a corrupção praticada por empresas privadas. No entanto, Aranha destaca que também não se deve condenar a classe empresarial e intitular todas as empresas como corruptas. Para ela é necessário criar mais debates sobre a profundidade da corrupção no mundo político e como combatê-la.

Impacto

Em março deste ano, os empresários Joesley Batista e Wesley Batista, proprietários da JBS, vazaram áudios de reuniões com o atual Presidente da República, Michel Temer. As gravações, entregues pelos irmãos à Procuradoria Geral da República em troca de imunidade criminal na Lava Jato, supõem que o pmdebista possuía conhecimento de atividades ilícitas entre o poder público e a companhia.

Após delação dos empresários da JBS, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, protocolou uma acusação de corrupção passiva contra o Presidente da República, Michel Temer. (Crédito: Empresa Brasil de Comunicação)

O episódio abalou o cenário político brasileiro e motivou protestos pela renúncia e impedimento do Presidente. Entretanto, uma pesquisa divulgada pelo Datafolha, mostra que a opinião pública também não ficou satisfeita com o acordo estabelecido com os empresários corruptores.

Das 2771 pessoas entrevistadas, 81% afirmaram que os irmãos batista deviam ter sido presos ao confessarem os crimes cometidos e apenas 27% disseram que o Ministério Público agiu certo ao negociar a imunidade criminal dos empresários em troca dos áudios.

Para o promotor de Justiça do Tribunal de São Paulo e Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, a Lava-Jato afetou diretamente a imagem das empresas investigadas na operação.

Sobre o caso dos irmãos batistas ele comenta que, embora o acordo tenha garantido imunidade na justiça, “ficou claro para todo mundo que eles cometeram crimes para benefício próprios e da empresa”. Além disso, Livianu afirma que a indignação popular com os acordos entre a empresa e a justiça brasileira afetam negativamente a imagem da marca.

Porém, segundo Livianu, ainda “é muito cedo para avaliar o tamanho do impacto da Lava-Jato na imagem pública consolidada das corporações envolvidas”. O promotor destaca que a magnitude dos efeitos das investigações tem relação direta com as atitudes tomadas pelas próprias empresas em decorrência do desvelamento de esquemas de corrupção internos.

Segundo o Ministério Público Federal, a Lava Jato negociou até o momento 10 acordos de leniência com empresas investigadas na operação. Crédito: Victor Pinheiro

Ele cita como exemplo positivo o caso da empresa Siemens. Após ser pivô de um dos principais escândalos de corrupção da Alemanha, em 2006, envolvendo contratos de vendas de trens, a corporação investiu massivamente em programas de compliance (sistema de disciplinas que fiscalizam o cumprimento de normas legais dentro de uma empresa ou instituição) para incentivar a conduta ética na empresa.

Combate no setor privado

Segundo o estudo Lei Anticorrupção: Um retrato das práticas de compliance na era da empresa limpa, desempenhado pela Deloitte, somente 60% das empresas brasileiras entrevistadas possuem um profissional dedicado a área. Além disso, apenas 40% das instituições disseram empregar um processo que periodicamente detecta, avalia, responde e monitora os riscos relativos à corrupção.

Para Rita Biason, a implantação de programas de compliance é uma ferramenta fundamental para combater a corrupção no âmbito privado. Ela afirma que as investigações da operação Lava-Jato destacaram a necessidade das empresas brasileiras investirem no recurso. Porém, as empresas não sabem como empregá-los.

Segundo o relatório da Deloitte, os principais obstáculos apontados para implementação desse tipo de atividade correspondem a cultura do país, a burocracia pública, a forma de fazer negócios e o segmento empresarial suscetível à corrupção.

Outra medida defendida pela historiadora é a aprovação da Lei do Lobby. A historiadora diz que a regulamentação dos lobby colabora para maior clareza e transparência  dessas  atividades nos órgãos públicos. “Hoje se sabe que lobistas circulam pelos congressos, mas não se sabem quem eles são.”

Do outro lado

Do lado público, Biason afirma que o combate à corrupção coordena-se em três eixos: prevenção, monitoramento e punição. De acordo com a pesquisadora, em termos de prevenção, as leis brasileiras se destacam positivamente. Entretanto, “ainda falta melhorar imensamente o monitoramento”. A historiadora explica que monitorar significa acompanhar as compras, pagamentos e contratos constituídos pelas instituições públicas do país.

Nesse sentido, Luiz Fernando Miranda defende mudanças na atual Lei de Licitações. O cientista político explica que uma estratégia utilizada por agentes corruptos consiste em deixar um prazo apertado para a licitação e instaurar um regime de urgência. Desse modo, “seria necessário um sistema licitatório mais sofisticado que impedisse combinações entre licitantes.”

“Fica-se meses focando muito no âmbito da investigação, nas descobertas e nos fatos. Mas, não se tem essa mesma intensidade na cobertura de sanções e da recuperação do dinheiro desviado” Ana Luiza Aranha

 

Quanto a punição, Biason afirma que as recentes punições a empresas, políticos e empresários demonstra uma evolução. Para Ana Luiza Aranha, no entanto, é necessário acompanhar se as sanções aplicadas a corruptos e corruptores está sendo realmente empregada.

Segundo Aranha os casos de corrupção no Brasil seguem uma lógica de escândalo da investigação. “Fica-se meses focando muito no âmbito da investigação, nas descobertas e nos fatos. Mas, não se tem essa mesma intensidade na cobertura de sanções e da recuperação do dinheiro desviado”. Esse cenário, para a pesquisadora, desestabiliza o processo de combate a corrupção no país.

 

Um comentário

  1. A ampla divulgação da ABNT NBR ISO 37001 é uma excelente alternativa para a resolução desta lacuna, e que já está disponível para os interessados!
    Uma outra ação, seria revisar a lei 12486 e incluir em seu escopo as organizações privadas, o que já foi feito em 2010 pela UKBA, no Reino Unido.

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